Quando conheci o trabalho de Morrissey (cantor britânico, vocalista do The Smiths, banda visceral dos anos 80), em princípio houve estranheza. Afinal, para um jovem de 18 anos, nos melhores dias de sua vida, não havia nuvens. Somente dias ensolarados. Também não havia sentido um ainda jovem Morrissey demonstrar uma personalidade tão ácida.
Quem é este cara que canta como se recitasse um poema ? (foi minha primeira impressão). Mais tarde, compreendi Morrissey. Ele profetizou tudo o que passei durante o resto de minha adolescência e início de minha juventude. É como eu disse a meu pai um dia destes: todos querem compartilhar as suas vitórias, mas nas suas dores, você sempre chora sozinho.
Quem já sofreu de depressão sabe disto. É a doença da solidão. E a incompreensão vem de onde menos se espera. Você escuta frases-pérolas como estas: “Por quê você não fica alegre ?”. Eu não deixo por menos, e respondo: “ Me mostra o botão de liga/desliga, que eu fico !”. A verdade é dura e cruel: a família quer que você se cure porque ninguém quer conviver com alguém com ar melancólico e que tem um humor super instável. A este respeito, Nietzsche (outro personagem que encontrei nos bosques sombrios do início da juventude) decretou: “praticamos a caridade e a compaixão para nos convencermos de que não somos tão maus”. Ou seja: ele propôs que o ser humano praticaria a caridade somente para convencer-se de que não é tão mau assim, e ficar em paz com a sua consciência.
Não concordo inteiramente com Nietzsche. Por professar a fé cristã, creio que o homem é capaz de gestos verdadeiramente altruístas. E como cristão creio que isto não é atingível, alcançável por esforço próprio. O amor (ou caridade, caritas) é dom gratuito de Deus. Nietzsche não cria na caridade desinteressada, porque queria compreender este sentimento como dom que brota do próprio homem (algo que seria cultural, como tudo o mais para ele), quando a sua origem é sobrenatural (claro, para quem crê, como eu).
Mas voltemos a Morrissey, para que não fujamos ao assunto. Muitos o vêem como um sujeito melancólico, lisógeno (às claras: bicha enrustida para os menos sensíveis). Mas não é assim. Morrissey talvez seja vítima de um certo desencantamento com o viver. Para compreendê-lo (assim como a qualquer artista – entendo eu), devemos dissecar a sua vida. Ele cresceu em Manchester, cidade conhecida por ser grande centro industrial da Grã-Bretanha. Lugar frio e esfumaçado. Não bastasse a paisagem desfavorável, o contexto em que Morrissey cresceu (filho de imigrantes irlandeses, em uma Inglaterra que os considerava cidadãos de segunda classe), com o país sendo assolado, no início da década de 80, por uma crise que deixava seus jovens sem perspectiva, fazem-nos compreender a melancolia dos jovens ingleses naquela época.
Uma música do “The Smiths” retrata bem este sentimento de desencanto dos jovens ingleses. É “Heaven Knows I’m Miserable Now”, ou “ O Céu Sabe o Quanto Estou Deprimido Agora”. A música fala de alguém que, enquanto procura por um emprego, destila a sua amargura pelas ruas.
Não quero justificar o tom sombrio que Morrissey dá às suas músicas ( se bem que seria maniqueísmo classificá-lo como sombrio, pois há momentos até cômicos em suas letras), nem fazer apologia da melancolia (rimou !). Contudo, sou daqueles que prefere algo que me faça pensar e até olhar pras minhas misérias do que ouvir os “funks” e “arrochas” da vida. Sem preconceitos, mas para mim cantar obscenidades e palavras de ordem que rebaixam o sexo feminino não tem nada a ver.
Para concluir, penso que pessoas como Morrissey são como orquídeas raras. Precisam ser preservadas de nossa atmosfera poluída. Infelizmente, precisam viver em uma estufa ou redoma especial, para sobreviverem às intempéries. Talvez não queiram se isolar. É que o mundo é muito hostil para os seus tecidos.
Will Never Marry – (Nunca Casarei)
Estou escrevendo isso
Para dizer
De um modo gentil
"obrigado, mas não"
Viverei minha vida
Como indubitavelmente morrerei:
Sozinho
Estou escrevendo isso
Para dizer
De um modo gentil
Obrigado...
Viverei minha vida
Como eu...
Pois quer você fique
Ou se abandone
Uma culpa destrutiva alcança você
E como ela vem para onde você está
Às cinco da manhã
Te acorda
E ri na sua cara
WILL NEVER MARRY
I'm writing this to say
In a gentle way
Thank You - but no
I will live my life as I
Will undoubtedly die - alone
I'm writing this to say
In a gentle way
Thank You ...
I will live my life as I ... oh
For whether you stay
Or stray
An inbuilt guilt catches up with you
And as it comes around to your place
At 5 A.M.; wakes you up
And it laughs in your face