segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Síndrome de Morrissey

Quando conheci o trabalho de Morrissey (cantor britânico, vocalista do The Smiths, banda visceral dos anos 80), em princípio houve estranheza. Afinal, para um jovem de 18 anos, nos melhores dias de sua vida, não havia nuvens. Somente dias ensolarados. Também não havia sentido um ainda jovem Morrissey demonstrar uma personalidade tão ácida. Quem é este cara que canta como se recitasse um poema ? (foi minha primeira impressão). Mais tarde, compreendi Morrissey. Ele profetizou tudo o que passei durante o resto de minha adolescência e início de minha juventude. É como eu disse a meu pai um dia destes: todos querem compartilhar as suas vitórias, mas nas suas dores, você sempre chora sozinho. Quem já sofreu de depressão sabe disto. É a doença da solidão. E a incompreensão vem de onde menos se espera. Você escuta frases-pérolas como estas: “Por quê você não fica alegre ?”. Eu não deixo por menos, e respondo: “ Me mostra o botão de liga/desliga, que eu fico !”. A verdade é dura e cruel: a família quer que você se cure porque ninguém quer conviver com alguém com ar melancólico e que tem um humor super instável. A este respeito, Nietzsche (outro personagem que encontrei nos bosques sombrios do início da juventude) decretou: “praticamos a caridade e a compaixão para nos convencermos de que não somos tão maus”. Ou seja: ele propôs que o ser humano praticaria a caridade somente para convencer-se de que não é tão mau assim, e ficar em paz com a sua consciência. Não concordo inteiramente com Nietzsche. Por professar a fé cristã, creio que o homem é capaz de gestos verdadeiramente altruístas. E como cristão creio que isto não é atingível, alcançável por esforço próprio. O amor (ou caridade, caritas) é dom gratuito de Deus. Nietzsche não cria na caridade desinteressada, porque queria compreender este sentimento como dom que brota do próprio homem (algo que seria cultural, como tudo o mais para ele), quando a sua origem é sobrenatural (claro, para quem crê, como eu). Mas voltemos a Morrissey, para que não fujamos ao assunto. Muitos o vêem como um sujeito melancólico, lisógeno (às claras: bicha enrustida para os menos sensíveis). Mas não é assim. Morrissey talvez seja vítima de um certo desencantamento com o viver. Para compreendê-lo (assim como a qualquer artista – entendo eu), devemos dissecar a sua vida. Ele cresceu em Manchester, cidade conhecida por ser grande centro industrial da Grã-Bretanha. Lugar frio e esfumaçado. Não bastasse a paisagem desfavorável, o contexto em que Morrissey cresceu (filho de imigrantes irlandeses, em uma Inglaterra que os considerava cidadãos de segunda classe), com o país sendo assolado, no início da década de 80, por uma crise que deixava seus jovens sem perspectiva, fazem-nos compreender a melancolia dos jovens ingleses naquela época. Uma música do “The Smiths” retrata bem este sentimento de desencanto dos jovens ingleses. É “Heaven Knows I’m Miserable Now”, ou “ O Céu Sabe o Quanto Estou Deprimido Agora”. A música fala de alguém que, enquanto procura por um emprego, destila a sua amargura pelas ruas. Não quero justificar o tom sombrio que Morrissey dá às suas músicas ( se bem que seria maniqueísmo classificá-lo como sombrio, pois há momentos até cômicos em suas letras), nem fazer apologia da melancolia (rimou !). Contudo, sou daqueles que prefere algo que me faça pensar e até olhar pras minhas misérias do que ouvir os “funks” e “arrochas” da vida. Sem preconceitos, mas para mim cantar obscenidades e palavras de ordem que rebaixam o sexo feminino não tem nada a ver. Para concluir, penso que pessoas como Morrissey são como orquídeas raras. Precisam ser preservadas de nossa atmosfera poluída. Infelizmente, precisam viver em uma estufa ou redoma especial, para sobreviverem às intempéries. Talvez não queiram se isolar. É que o mundo é muito hostil para os seus tecidos. Will Never Marry – (Nunca Casarei) Estou escrevendo isso Para dizer De um modo gentil "obrigado, mas não" Viverei minha vida Como indubitavelmente morrerei: Sozinho Estou escrevendo isso Para dizer De um modo gentil Obrigado... Viverei minha vida Como eu... Pois quer você fique Ou se abandone Uma culpa destrutiva alcança você E como ela vem para onde você está Às cinco da manhã Te acorda E ri na sua cara WILL NEVER MARRY
I'm writing this to say In a gentle way Thank You - but no I will live my life as I Will undoubtedly die - alone I'm writing this to say In a gentle way Thank You ... I will live my life as I ... oh For whether you stay Or stray An inbuilt guilt catches up with you And as it comes around to your place At 5 A.M.; wakes you up
And it laughs in your face

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Um tal de Radiohead

Hoje cheguei em casa para almoçar e notei que havia uma música de fundo que me era familiar. Era o meu irmão, escutando Radiohead no computador, mais especificamente Creep (talvez o primeiro hit da banda), enquanto baixava outras músicas. - E essa agora ? pensei. - Ele nunca curtiu esse tipo de música !. Logo lembrei-me que o Radiohead está muito próximo de fazer uma turnê pelo Brasil e que o Moisés e o Rodrigão (amigos de longa data e de longos dilemas) haviam comentado a respeito. Ah, se fosse a cinco anos atrás ! – pensei; faria um sacrifício e iria. Hoje não. Já foi uma das minhas bandas preferidas. Hoje não mais. Ao ouvir os acordes de “Creep”, ao entrar em casa, um calafrio percorreu todo o meu corpo. Somente eu e alguns mais próximos sabem do que digo. Esclareço: entendo que nossa vida tenha muito da sétima arte (o cinema). E assim como os filmes, tenha uma trilha sonora. Radiohead já fez parte da minha trilha sonora. E daí, o que tem demais ? Nada, se não fosse o fato de ter sido a única trilha sonora da minha vida por 24 horas por dia, durante algum tempo. E quem conhece algumas letras do Radiohead deve imaginar que isto não é nada sadio. Não que eu tenha renegado a banda. Ainda admiro. Musicalmente. Mas hoje não está na minha “top list”, longe disso. Quem é fã e talvez me conheça pode dizer: - “Cuspindo no prato que comeu ! Que feio !”. Mas não é bem assim. Acho que nós humanos temos essa habilidade de associar os cheiros, sons e tatos com as situações que vivemos. Quem não se recordou de uma viagem, um namoro, um momento, ao ouvir determinada canção ? E se o momento não foi tão bom, possivelmente a audição de uma música determinada pode ser desconfortável. Aprendi em um curso de neurolingüística que sentimentos podem ser despertados pelas assim denominadas “âncoras”. Estas seriam estímulos táteis ou sonoros que gerariam um estado emocional, de forma direcionada, na pessoa. Isto de forma consciente. Porque inconscientemente (sem que percebamos) somos estimulados a todo momento. Exemplificando: ao tentar reproduzir o toque maternal que acaricia nossos cabelos, poderíamos nos colocar em uma situação de relaxamento. Para isso, é claro, seria necessária prática. Não seria algo mágico. Deixo claro que não acredito nisso piamente. Para alcançar a habilidade de até mesmo controlar sentimentos negativos e mantê-los sob controle, não dependeríamos somente de nós. Sempre existem estímulos imprevisíveis. Com isto quero dizer que Radiohead pode ter se tornado uma “ âncora” negativa para mim. Ou talvez não. Talvez eu permita que seja assim. Talvez nós possamos resignificar (aprendi esta palavrinha no tal curso que falei) uma música, um cheiro, algo que desperte sentimentos e lembranças. Creio nisso. Desapegar do sentimento. Talvez uma música desperte a tristeza porque permitamos ou mesmo queiramos isto. É um tanto masoquista. Alguém pode questionar: “ Mas uma música só pode dizer o que ela quer dizer”. Não é bem assim. Uma música alegre, por exemplo: se tocava durante um acidente ou um assalto, pode trazer os traumas à tona. Você escuta a música e a imagem vem à cabeça. É mais forte que você. Para encurtar a conversa, decidi assim: sentimentos podem até surpreendê-lo em determinado momento. O que não podem é torná-lo refém. Não é simples. Não é fácil. Mas temos que assumir o controle. Afinal os sentimentos não existem por vontade própria. São passíveis de transfiguração. Uma música pode dizer o que eu quero que diga, mesmo que o refrão grite o oposto.
No Surprises Radiohead Composição: Radiohead
A heart that's full up like a landfill
A job that slowly kills you
Bruises that won't heal
You look so tired and unhappy
Bring down the government
They don't, they don't speak for us
I'll take a quiet life
A handshake of carbon monoxide
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
Silent silence
This is my final fit, my final bellyache with
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises please
Such a pretty house and such a pretty garden
No alarms and no surprises (let me out of here)
No alarms and no surprises (let me out of here)
No alarms and no surprises please (let me out of here)
Radiohead - no suprises - Tradução Compositor: Tom Yorke
Um coração que se encheu como um aterro
um trabalho que te mata lentamente,
feridas que não cicatrizam.
Você aparenta estar tão cansado-infeliz,
Derrube o governo, eles não, eles não falam por nós.
Eu vou levar uma vida tranqüila,
Um aperto de mão de monóxido de carbono,
Sem nenhum susto e nenhuma surpresa,
sem sustos e sem surpresas,
sem sustos e sem surpresas.
Silêncio, silêncio.
Este é meu ajuste final minha dor de barriga final.
Sem nenhum susto e nenhuma surpresa,
sem sustos e sem surpresas,
sem sustos e sem surpresas,
por favor.
Uma casa tão bonita e um jardim tão bonito.
Sem nenhum susto e nenhuma surpresa,
sem sustos e sem surpresas,
sem sustos e sem surpresas,
por favor.

Morrissey

Quando conheci o trabalho de Morrissey (cantor britânico, vocalista do The Smiths, banda visceral dos anos 80), em princípio houve estranheza. Afinal, para um jovem de 18 anos, nos melhores dias de sua vida, não havia nuvens. Somente dias ensolarados. Também não havia sentido um ainda jovem Morrissey demonstrar uma personalidade tão ácida. Quem é este cara que canta como se recitasse um poema ? (foi minha primeira impressão). Mais tarde, compreendi Morrissey. Ele profetizou tudo o que passei durante o resto de minha adolescência e início de minha juventude. É como eu disse a meu pai um dia destes: todos querem compartilhar as suas vitórias, mas nas suas dores, você sempre chora sozinho.
Quem já sofreu de depressão sabe disto. É a doença da solidão. E a incompreensão vem de onde menos se espera. Você escuta frases-pérolas como estas: “Por quê você não fica alegre ?”. Eu não deixo por menos, e respondo: “ Me mostra o botão de liga/desliga, que eu fico !”. A verdade é dura e cruel: a família quer que você se cure porque ninguém quer conviver com alguém com ar melancólico e que tem um humor super instável. A este respeito, Nietzsche (outro personagem que encontrei nos bosques sombrios do início da juventude) decretou: “praticamos a caridade e a compaixão para nos convencermos de que não somos tão maus”. Ou seja: ele propôs que o ser humano praticaria a caridade somente para convencer-se de que não é tão mau assim, e ficar em paz com a sua consciência. Não concordo inteiramente com Nietzsche. Por professar a fé cristã, creio que o homem é capaz de gestos verdadeiramente altruístas. E como cristão creio que isto não é atingível, alcançável por esforço próprio. O amor (ou caridade, caritas) é dom gratuito de Deus. Nietzsche não cria na caridade desinteressada, porque queria compreender este sentimento como dom que brota do próprio homem (algo que seria cultural, como tudo o mais para ele), quando a sua origem é sobrenatural (claro, para quem crê, como eu). Mas voltemos a Morrissey, para que não fujamos ao assunto. Muitos o vêem como um sujeito melancólico, lisógeno (às claras: bicha enrustida para os menos sensíveis). Mas não é assim. Morrissey talvez seja vítima de um certo desencantamento com o viver. Para compreendê-lo (assim como a qualquer artista – entendo eu), devemos dissecar a sua vida. Ele cresceu em Manchester, cidade conhecida por ser grande centro industrial da Grã-Bretanha.Lugar frio e esfumaçado. Não bastasse a paisagem desfavorável, o contexto em que Morrissey cresceu (filho de imigrantes irlandeses, em uma Inglaterra que os considerava cidadãos de segunda classe), com o país sendo assolado, no início da década de 80, por uma crise que deixava seus jovens sem perspectiva, fazem-nos compreender a melancolia dos jovens ingleses naquela época. Uma música do “The Smiths” retrata bem este sentimento de desencanto dos jovens ingleses. É “Heaven Knows I’m Miserable Now”, ou “ O Céu Sabe o Quanto Estou Deprimido Agora”. A música fala de alguém que, enquanto procura por um emprego, destila a sua amargura pelas ruas. Não quero justificar o tom sombrio que Morrissey dá às suas músicas ( se bem que seria maniqueísmo classificá-lo como sombrio, pois há momentos até cômicos em suas letras), nem fazer apologia da melancolia (rimou !). Contudo, sou daqueles que prefere algo que me faça pensar e até olhar pras minhas misérias do que ouvir os “funks” e “arrochas” da vida. Sem preconceitos, mas para mim cantar obscenidades e palavras de ordem que rebaixam o sexo feminino não tem nada a ver. Para concluir, penso que pessoas como Morrissey são como orquídeas raras. Precisam ser preservadas de toda e qualquer intempérie. Infelizmente, precisam viver em uma estufa ou redoma especial, para sobreviver às intempéries. Não é que querem se isolar. É que o mundo é muito hostil para os seus tecidos.
Will Never Marry – (Nunca Casarei)
Estou escrevendo isso
Para dizer
De um modo gentil "obrigado, mas não"
Viverei minha vida
Como indubitavelmente morrerei:Sozinho
Estou escrevendo isso
Para dizer
De um modo gentil
Obrigado...
Viverei minha vida
Como eu...
Pois quer você fique
Ou se abandone
Uma culpa destrutiva alcança você
E como ela vem para onde você está
Às cinco da manhã
Te acorda
E ri na sua cara
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Will Never Marry
I'm writing this to say
In a gentle way
Thank You - but no
I will live my life as I
Will undoubtedly die - alone
I'm writing this to say
In a gentle way
Thank You ...
I will live my life as I ... oh
For whether you stay
Or stray
An inbuilt guilt catches up with you
And as it comes around to your place
At 5 A.M.;
wakes you up
And it laughs in your face

DO POR QUÊ

Há uns vinte mil anos atrás, um exemplar da subespécie de primata conhecida como Neanderthal estava tranquilamente em sua caverna, forjando sua lança, feita com lascas de pedra, quando foi surpreendido por um objeto perfuro-cortante de bronze, vindo de encontro à sua fronte, com violência ímpar, e tombou agonizando no chão. Suas últimas palavras (ou as primeiras), talvez foram: o quê ? Agora já não importava mais. Fora morto por um seu rival. Alguém que havia feito outra pergunta muito antes: por quê ?
No mundo das idéias é assim: semelhante ao velho-oeste daqueles filmes antigos de bang-bang. Vence quem “saca” mais rápido. Saca? Isto é o que fascina nos por quês. Aquele nó na garganta. O vazio no estômago. A secura na boca. Mas é aí que reside o problema. Sendo o “por quê” tão imanente à nossa existência, estamos mergulhados em um mundo de “comos” e “o quês”. E isto é de fácil compreensão. Charles Chaplin, em seu filme “Tempos Modernos” já sacava mais rápido que todo mundo: para que a engrenagem da modernidade funcione satisfatoriamente, precisamos somente dos “comos”: como opero esta máquina ? Como preencho este formulário ? Como devo responder ? . Os por quês são supérfluos, um luxo nos dias de hoje. São perca de tempo. Coisa de gente rebelde. Tenho pensado nisto há algum tempo. Na urgência dos por quês nos dias de hoje. Precisamos de pensadores, de cães perdigueiros. Papo furado? Não. Imaginem o que é a Medicina hoje: uma coletânea de por quês, boa parte mais ou menos satisfatoriamente respondidos. Imaginem se os grandes cientistas perguntassem somente “como” ?. Não existiria sequer insulina nos dias de hoje. O quê ? (outra interjeição imbecil) – diriam. Produzir remédio utilizando sangue de eqüinos ? Heresia. Alguém foi lá e fez. Indagou-se : “e por que não ?”. Mas hoje criaram uma vacina poderosa anti por quês: o pragmatismo. Travestido de certo racionalismo, ele quer engessar as idéias, “aplainar” as colinas aonde nascem os sonhos etéreos. Domesticar o pensamento. É tentadoramente confortável. Estéril. Inodoro. Branco opaco. Sem dor (ao menos aparente). Às vezes penso que homens como Sócrates e Aristóteles não teriam lugar nos dias de hoje. Imagine só: lá estaria Sócrates, em sua caminhada matinal pelo jardim de sua casa, quando surgiria ofegante, correndo desde dentro de casa, uma senhora com a face rosácea, gritando: - Seu Sócrates, não vai sair sem levar a conta de telefone. - Ela vence hoje ! Pronto. Lá se foram todas as idéias que fervilhavam na cabeça do pensador. Malditas contas e compromissos e sinais fechados e sirenes de toda sorte. Será que ainda tenho um corpo, ou estou contido nO corpo ? Então poderiam questionar: Mas não estamos na era tecnológica ? A internet não cresce vertiginosamente, assim como as empresas de tecnologia? Não estamos mais além do que aquém como seres humanos? Temo que não. Não estamos além. Respondemos quase todos os “comos”. Quase nenhum por que que valha a pena foi equacionado. Por que existimos ? É só um dos mais elementares e antigos por quês sem solução. Mas já sabemos o “como” existimos e até o manipulamos. Criamos clones, isolamos genes. O como é cartesiano, frio, insensível. O por quê nos deixa desconsertados. Exemplo ? Por que tantos passam fome, quando se gasta um trilhão de dólares anualmente em armamentos em todo o mundo ? Duvido que alguém não se inquiete com esta questão. E poucos conseguem respondê-la satisfatoriamente. A resposta é tão obviamente sórdida que não quero me deparar com ela. Faça um teste. Em nossas próprias famílias temos exemplos disto. Minha avó dizia que misturar manga com leite era fatal. Por algum tempo acreditei nisto. Até que um dia o eu-menino viu alguém pedir a tal poção venenosa em uma lanchonete. Jeito estranho de se matar (pensei). Se soubesse perguntar por quê, se fosse eu instruído para tanto, desde a mais tenra infância, quando a vovó disse: “Manga com leite mata”, teria logo perguntado por quê, e a vovó teria que arrumar uma explicação ou admitir que não a tinha. Ou até mesmo responder: porque minha mãe disse. Não seria uma resposta satisfatória. Mas já apontaria para uma solução. Eu poderia emendar outra pergunta: “sua mãe era médica, vovó?” ou “por que ela concluiu isto?” Questionar é importante. Poderia até parafrasear Camões: “ questionar é preciso, viver não é preciso”. Até porque questionar é navegar pelo pensamento. Teoria da Conspiração é somente uma maneira de brincar com questões existenciais. Ou nada existenciais. É poder brincar de descobrir, voltar a cultivar o campo fértil da imaginação de criança, que nem às crianças são reservadas hoje em dia. Isto porque os vídeo-games da vida não permitem imaginar. Já trazem o cenário, a história e o enredo prontos. À criança só cabe aderir. Não pode opinar. Basta aprender COMO “passar de fase”. Nas minhas brincadeiras de criança, o mocinho matava o bandido e este ressuscitava. Por quê ? Porque a gente queria e determinava. Não tinha que justificar. Hoje é tudo tão lógico. Nada a ver com o mundo infantil. Você tem três vidas. Perdeu, não passa de fase. Sim senhor ! E quem disse que eu concordo com isso seu vídeo-game babaca ? Nos treinam para obedecer regras simplesmente porque são regras. Então poderiam questionar: Sendo assim, por quê as crianças de hoje são mais desajustadas ? Porque não fantasiam na hora certa. Não podem fazer-de-conta. Mais tarde os psicotrópicos cuidam disso. A infância é tão árida. Cheia de obrigações, agenda lotada. O menino não tem tempo para olhar pro céu e perguntar: Por que aquela estrela está sempre alí ? Afinal, amanhã tem aula bem cedo. Depois o inglês e a natação e o karatê e já é hora de dormir. Já brincou de adivinhação ? Como era bom. Hoje é tolice ! Aposto que um menino de hoje agiria assim: - O que é, o que é: cai em pé e corre deitado ? – Peraí que eu vou entrar no Google. Que tristeza ! Nem se dão ao trabalho de cogitar o que seria. O Google dá a resposta pronta. Ave Google ! Preguiça de imaginar. É de arrepiar. Há dois mil e quinhentos anos foi dito: “ Penso, logo existo”. Hoje o mote é outro: “Consumo, logo sobrevivo”. Não quero pensar. Somente ter grana pra pagar as contas. - O QUE você quer ser quando crescer ? - RICO. Então assalte um banco. Isto não é o que você QUER SER, mas o que você QUER TER (dinheiro). Todo mundo quer ser o Ronaldinho ou Kaká. Ninguém quer ser Van Gogh ou Machado de Assis. Afinal, esses caras morreram “duros”.