Os recentes episódios acompanhados com perplexidade por toda a sociedade brasileira na última semana surpreendeu a todos. Mas não a mim inteiramente. Não escondo que apesar de não ter tido uma criação religiosa, mais tarde, no início da minha juventude, aderi à fé católica. E isto explicará porque não estou surpreso com o caso do Dr. Roger Abdelmassih. Quanto mais estudo e leio sobre filosofia e moral, mais compreendo e abraço a moral católica. Inclusive no campo da ciência. É sabido que a Igreja sempre condenou a fecundação in vitro e a manipulação de embriões. Então como sempre, foi acusada de “obscurantista”, “retrógrada” e outros adjetivos mais. Quero deixar claro que ser um crente não significa ser bitolado. Pelo contrário: quem crê tem maior obrigação de estudar e aprofundar-se, para que sua fé não seja pueril, fundamentada em sentimentalismo e receba a luz da razão, que é o bem maior com o qual Deus nos presenteou.
O fato da Igreja se contrapor à fecundação in vitro não é por simples "picuinha". Tem um argumento teológico válido (mesmo que não se concorde com ele). Esclareço: eu posso não ser muçulmano, mas posso compreender o fato de eles jejuarem no mês do Ramadã, desde que procure entender as motivações. Compreender não significa concordar. A Igreja quer que se compreenda o seu posicionamento. Concordar ou não é questão de convencimento pessoal. Mas não se pode impedir a Igreja de colocar o seu posicionamento acerca do tema.
O que compreendi a respeito da moral católica quanto ao tema foi o seguinte: Deus como criador, tendo criado o homem “ à sua semelhança”, concedeu-lhe também o poder de “criar” vidas (poder que Deus poderia ter querido somente para si), dotando os dois sexos (homem e mulher) de gametas. Daí podemos inferir que ele quis que a reprodução fosse algo “cooperativo”, unitivo. Ou seja: não quis que o ser humano tivesse o poder de reproduzir-se sozinho ( o que poderia tornar-se um ato puramente egoístico). Quis que algo de tal grandiosidade estivesse inserido em um momento de prazer, partilhado entre duas pessoas. Este foi o plano de Deus. Por isto a Igreja entende que quando uma terceira pessoa intervém neste momento sagrado ( a concepção de um ser humano) isto feriria a dignidade da pessoa humana e distorceria o propósito original de sermos seres sexuados.
Daí o perigo em se manipular embriões e gametas (óvulos e espermatozóides). Não se sabe certamente qual o caráter daquele que manipula e quais os seus reais propósitos. A paciente está em uma posição muito frágil em relação ao médico/cientista. Ela é mera espectadora (assim como o pai), num processo em que deveriam ser autores (condição colocada pelo criador).
Contudo pode-se questionar: - Mas e as mulheres estéreis, não têm direito à maternidade ? O que eu posso dizer é o seguinte: o que seria maior ? O direito à maternidade ou a dignidade do seu próprio corpo e da criança que vai ser gerada ? Até que ponto vale a pena submeter a vida ao arbítrio de um único profissional, mesmo que seja “Doutor” ?
O acontecido nos faz lembrar a estória publicada no final do século XIX pelo autor inglês Robert Louis Stevenson e imortalizada pelo cinema. Nela o Dr. Jekyll dava lugar ao monstro Mr. Hyde em meio a suas “experiências” científicas. Sei que é temeroso se julgar qualquer fato rapidamente, mas os depoimentos de dezenas de mulheres indicam a culpabilidade do médico. Me impressionou particularmente o depoimento de uma delas ao canal “Record News”. A paciente diz ao repórter que ao despertar da anestesia, ainda sonolenta, percebeu que o médico estaria “ofegante e com o semblante meio eufórico, com uma expressão de poder” – palavras dela. Ora, se for isto verdade, configuraria um desvio grave de comportamento ( ele sentiria prazer por poder abusar destas mulheres num estado tão indefeso). A entrevistada também o comparou ao maníaco do parque e disse que aquele era "menos covarde" ...
Nenhuma outra profissão confere uma proximidade tão grande do poder criador, de status de divindade como a profissão médica. Entendo que muitas vezes este “poder sobre a vida e a morte” – e ultimamente sobre a concepção da vida – pode conferir a idéia de que ele é quase um ser sobre-humano. Algumas pacientes do Dr. Roger dizem que ele não gostava de ser questionado acerca de sua metodologia. Respondia geralmente que elas não deveriam se preocupar, pois a questão técnica estava a cargo dele. E como poderiam questionar alguém que não era somente um grande médico, mas era um dos mais renomados da reprodução assistida ? Seriam presas fáceis.
Outro médico “famoso” que me veio à mente foi o Dr. Joseph Mengele (aquele mesmo – o nazista). Sabidamente os nazistas foram os primeiros a interessar-se pela manipulação genética e experiências do gênero. O programa Lebensborn transformava milhares de jovens alemãs em simples “reprodutoras da raça ariana” Em honra ao Führer, eram insentivadas a terem relações com oficiais do exército e darem à luz a crianças “genuinamente arianas”, que seriam o orgulho do Reich.
Hoje, no meu entendimento, temos dezenas de “Josephs Mengeli” espalhados pelos quatro cantos. Utilizando mulheres como cobaias. Claro que a justificativa parece mais nobre: realizar o sonho de ser mãe. Mas nunca se sabe ao certo o que pode acontecer em uma clínica em que se manipula o material genético de centenas de pessoas. Por mais ético que seja o profissional, a pressão para que se alcance resultados imediatos pode ler ao cometimento de aberrações. Soube-se por exemplo que o Dr. Roger Abdelmassih teria “turbinado” os óvulos de suas pacientes. Isto consistiria no seguinte: o médico injetaria o citoplasma de uma paciente mais jovem no óvulo de outra paciente mais idosa, para que o óvulo tivesse mais possibilidade de ser fecundado. O problema é que o futuro bebê acabaria com a carga genética de três pessoas diferentes. E a Medicina não sabe ainda quais as conseqüências disto. Em suma é isto: um louco bem instruído é muito mais nocivo que um louco de rua...