sexta-feira, 24 de abril de 2009

Convivendo com o Agente Smith

O mundo do século XXI está pior ou melhor ? De que adianta ter um remédio para o câncer, se não posso comprá-lo ? De que adianta uma viagem através do Atlântico durar algumas horas, se não tenho dinheiro para fazê-la ? De que adianta poder votar, se não tenho opções ? Esta tem sido a minha conversa com o meu pai ultimamente. Quando volto do trabalho com ele, no carro, às vezes começo a filosofar... A conversa começa amistosa, mas depois vai esquentando...
Isto tem a ver com o último texto postado também. Grande parte talvez da dificuldade que a gente tem de se aceitar tem a ver com querer corresponder à expectativa do outro. Demorou, mas descobri que é bobagem. Quando era menino, ouvia meu pai, não concordava e ficava calado. Mas pensava: - "ainda vou te provar que estou certo". Quando cresci, ingenuamente pensei que discutindo com ele, argumentando, poderia "retoricamente" convencê-lo de que estava errado sobre alguns aspectos. Bobeira ! Certa está minha mãe: - " ninguém muda ninguém".
Meu pai é uma pessoa muito pragmática. Diria que é a antítese do poeta, do sonhador. Antes eu ficava irritado com o que classificava nele como "alienação". Vou dar um exemplo: quando estamos vendo o noticiário e surge alguma notícia sobre Cuba ele diz: - é por isso que eu gosto da democracia, do Brasil: porque temos liberdade... Eu retruco: - democracia pra mim é ter escola e hospital decente, e isto Cuba tem melhor que a gente. Aí ele diz: - mas lá cê não pode votar... o Fidel tá no poder há 50 anos. Então eu digo: - "grandes porcaria" votar ! Esta é a grande mentira do sistema. Você escolhe entre algumas "cartas marcadas" e acha que é mais livre que o povo cubano. Só que lá o índice de analfabetismo é 1%. E o daqui ? E vai por aí ...
Ele (meu pai) é uma pessoa muito "stabilishment". Se fosse um personagem de "Matrix", ele seria o agente Smith sem dúvida alguma. Eu sempre falo para ele: - o senhor tinha que nascer americano ! O senhor acredita mesmo nesta estorinha pra boi dormir da "liberdade de iniciativa", e "igualdade de competir" ? Vai perguntar pra uma "aviãozinho" do morro se ele tem a mesma oportunidade do filho de classe média pra competir ... Ele diz: - eu nasci pobre e construí alguma coisa... Eu retruco: - tudo bem, mas daí você dizer que o sistema é lindo e não há alternativa melhor e que se um garoto se torna bandido é porque não "lutou" é covardia. Que expectativa um garoto desse tem ?.... Fazer uma faculdade pra ele é o mesmo que o homem ir à Marte !
Não tem jeito. Depois ele insinua que filosofar estas coisas é coisa de revoltado, que não leva a lugar algum, não paga as contas... que se você não tem como mudar é perca de tempo discutir. E sempre encerra o papo com coisa mais ou menos assim: - agente tem é de trabalhar e preocupar com a nossa vida... Aí eu digo, em tom irônico: - quero ver quando um garoto desses, chapado, no sinal, te enfiar uma arma na cabeça o senhor vir dizer: - cê não pode me assaltar não ! eu pago meus impostos, trabalho, sou bom cidadão. Aí eu quero ver seu sistema capitalista perfeito salvar a sua pele. Nessa hora sou mais Cuba. É aí que o capitalismo perde a moral. Você é livre: pra dormir em fila do posto de saúde, pra ser assaltado, pra ser mal-atendido, não ter saneamento básico. Não que o socialismo seja solução. Mas o capitalismo não pode ser a única via. Ser o único não é ser o melhor. Que parâmetro é esse ?
Aonde eu quero chegar com tudo isso ? É o seguinte: descobri porque eu e o meu pai não nos acertamos. Porque falamos idiomas diferentes. Antigamente ficava chateado com isso. Hoje penso assim: - Paciência ! Se ele quer continuar sendo o agente Smith de Matrix problema o dele ! Eu quero pensar o mundo. Não compro essa vidinha perfeita pequeno-burguesa nem a pau !

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