quinta-feira, 30 de julho de 2009

Acídia - Texto revelador

Os vícios capitais na enumeração de São Tomás de Aquino são: vaidade, avareza, inveja, ira, luxúria, gula e acidía. A acidía é a tristeza pelo bem espiritual, acidez, queimadura interior do homem que recusa bens do espírito e durante muitos séculos foi considerada um defeito capital. A tristeza e a acidía não costumam, ao contrário de outros vícios de que falamos anteriormente, originar-se por uma motivação exterior. Freqüentemente afligem amarissimamente os solitários que vivem no ermo distantes do convívio dos homens. É verdadeiro, a quem quer que tenha vivido nesta solidão e tem experiência dos combates do homem interior, facilmente o comprovar. São Tomás afirma "(..) o vício capital é aquele do qual naturalmente procedem outros vícios. E assim como os homens fazem muitas coisas por causa do prazer - para obtê-lo ou movidos pelo impulso do prazer - assim também fazem muitas coisas por causa da tristeza: para evitá-la ou arrasados pelo peso da tristeza. E esse tipo de tristeza, a acidía, é convenientemente situado como vício capital". Este mal pode levar tanto à inação quanto a uma inquietude, uma ação desenfreada.
O santo ainda adiciona "A tristeza é, entre todas as paixões da alma, a que mais causa dano ao corpo (...). E como a alma move naturalmente o corpo, uma mudança espiritual na alma é naturalmente causa de mudanças no corpo." O santo ainda recomenda que qualquer tipo de prazer é remédio contra a tristeza: lágrimas, solidariedade, contemplação da verdade, banho e sono.
A acidía é o tédio ou tristeza em relação aos bens interiores, ao bem espiritual divino em nós. Em sua dimensão que produz inação, a acidía caracteriza-se pela veemência da tristeza, que imobiliza o homem, retardando a ação; é em si uma tristeza agravante, pesada, isto é, paralizadora. Há dois vícios capitais que são tristezas: acidía e inveja. A acidía é a tristeza pelo próprio bem espiritual enquanto a inveja é pelo bem alheio. São Tomás ao comentar que alguns autores estabelecem uma correspondência entre os sete dons do Espírito Santo e os sete defeitos capitais, indica que o oposto da acidía seria o dom da fortaleza, o esforço por não se deixar dominar por essa acidez da alma.
Na ligação entre acidía e desespero, o santo faz uma observação psicológica: chega-se à situação de considerar que o bem árduo seja impossível de alcançar por si ou por outro, por meio de um profundo abatimento, que, quando chega a dominar o afeto do homem, parece-lhe que nunca mais poderá empreender algo de bom. E como a acidía é uma tristeza que abate o espírito, ela gera o desespero. Ora, a esperança tem por objetivo próprio aquilo que é possível, pois o bem e o árduo, dizem respeito também a outras paixões. É observado que o homem triste não pensa em coisas grandes e belas, mas só em coisas tristes, a menos que por um grande esforço - lembremos que a acidía se opõe à fortaleza - afaste-se das coisas tristes.
A primeira das filhas da acidia é o desespero. Paralizada pela vertigem, pelo medo das alturas espirituais e existenciais a que Deus o chama, a acidía não encontra ânimo nem vontade de ser tão grande como realmente está chamado a ser; abdica do "torna-te o que és". Gregório enumerou as filhas da acidia: desespero, pusilanimidade, torpor, rancor, malícia e divagação da mente. Queimado por essa tristeza - existencialmente suicida - e movido pela queimadura de sua acidez, surge a dispersão da mente, a renúncia a seu centro interior e, portanto, entrega-se ao abandono à torre do espírito, para derramar-se no variado, buscando afogar a sede na água salgada das compensações e prazeres de uma atividade desenfreada: falatório inócuo, agitar-se, mover-se, a incapacidade de concentrar-se em um propósito, um afã desordenado de sensações de conhecimento, vícios em prazeres da carne.Mesmo uma descrição breve das filhas da acidía, torna evidente seus perigos: o desenraizamento, a abdicação do processo de auto-realização profunda do eu, que passa a espalhar-se no variado, etc. Pascal afirma que toda a infelicidade do homem procede de uma única coisa: ele não poder estar a sós consigo mesmo em um quarto, hoje, mais do que nunca, essas possibilidades de dispersão estão disponíveis e encontram-se -potenciadas ao máximo - por toda parte.
Há um desejo de ver que perverte o sentido original da visão e leva o próprio homem à desordem. O fim do sentido da vista é a percepção da realidade. A 'concupiscência dos olhos', porém, não quer perceber a realidade, mas ver. Agostinho diz que a avidez dos gulosos não é de saciar-se, mas de comer e saborear. A preocupação deste ver não é a de aprender e, fazendo-o, penetrar na verdade, mas a de se abandonar ao mundo em seu Ser e Tempo. E a acidía é aquela tristeza modorrenta do coração que não se julga capaz de realizar aquilo para que Deus criou o homem. Essa modorra mostra sempre sua face fúnebre, onde quer que o homem tente sacudir a ontológica e essencial nobreza de seu ser como pessoa e suas obrigações e sobretudo a nobreza de sua filiação divina: isto quer dizer, quando repudia o verdadeiro ser, o ser real dentro de si. A acidía se manifesta na dissipação do espírito, que se mostra na tagarelice, na apetência indomável de 'sair da torre do espírito e derramar-se no variado', numa irrequietação interior, na inconstância da decisão e na volubilidade do caráter e, portanto, na insatisfação insaciável da curiosidade.
A perversão da inclinação natural de conhecer em curiosidade pode, conseqüentemente, ser algo mais do que uma confusão inofensiva à flor do ser humano. Pode ser o sinal de sua total esterelidade e desenraizamento. Pode significar que o homem perdeu a capacidade de habitar a si próprio; que ele, na fuga de si, avesso e entediado com a aridez de um interior queimado pelo desespero, procura, com angustioso egoósmo, em mil caminhos baldados, aquele bem que só a magnânima serenidade de um coração preparado para o sacrifício, portanto, senhor de si, pode alcançar: a plenitude da existência, uma vida inteiramente vivida. E porque não há realmente vida na fonte profunda de essência, vai mendigando, como outra vez diz Heidegger, na 'curiosidade que nada deixa inexplorado' a garantia de uma fictícia 'vida intensamente vivida' .

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